Quando casei em 1983 meu avô perguntou se eu queria um jogo de malas ou um faqueiro e escolhi o faqueiro. Um faqueiro lindo, de aço inox, com 130 peças e caixa de madeira.
Na separação consegui ficar com esse faqueiro e ele sempre foi usado em ocasiões especiais, normalmente em jantares com muitos convidados, colocados os talheres em uma peça linda da Riva com base em acrílico, como esse da foto.
Quando escrevi o texto "Excesso e consequências!" fiquei pensando nas crianças comendo sobremesa com colheres de sopa e no faqueiro guardado para jantares que não mais realizo ou mesmo que acontecem em raras ocasiões. Está tudo parecendo sem lógica!
Entretanto, se colocar o faqueiro no uso diário certamente ele não ficará mais com a cara de novo que tem, mas nem eu tenho a mesma cara de nova de quando ganhei esse presente.
Por ocasião dos jantares, terminada a festa, eu nem esperava pela pessoa da limpeza, arrumava uma bacia, colocava os talheres de molho em água com detergente, lavava com uma esponja que não tivesse aquela parte verde abrasiva e já colocava para secar, evitando que ficassem manchados.
Bem sei a razão de tantos cuidados! Ainda adoro meu avô e, embora ele já tenha partido faz algum tempo, ainda sinto ele perto de mim. Sim, ele era humano e cheio de defeitos, mas aquele que não tiver defeitos atire a primeira pedra!
Meu avô foi meu mentor, conversava comigo horas e horas sobre os mais diversos assuntos. Ele era maçon, médico por mais de cinquenta anos, umbandista e se comunicava com uma pessoa que segundo ele era a reencarnação de Jesus e estava sendo preparado em algum lugar do mundo para se revelar ao mundo já nem lembro quando. Todo dia ou em determinados dias da semana ou mês, ele e um grupo de pessoa que tinham a mesma crença, se fechavam em um quarto e se comunicavam com esse ser que, segundo ele, era Jesus. Enfim, ele me fez acreditar muito cedo em extraterrestres, ponderando que eu era muito petulante (nem lembro se era esse o termo) em acreditar que somente na Terra havia vida inteligente. Enfim, imaginem o quanto conversávamos.
Quando resolvi fazer concurso para a magistratura por razões inconfessáveis nesse momento, liguei para ele e falei que tinha muito serviço no escritório, advogava na época, e não tinha muito tempo para estudar. Ele, sem titubear, falou que eu não precisava estudar, pois tudo que eu precisava aprender já tinha visto na faculdade. E lá fui eu para os concursos, sem estudar profundamente, acendendo velas na cozinha antes de sair em forma de cruz, velas vermelhas e velas brancas. Após ser aprovada, ele pediu que eu acendesse, no meu altar, uma vela vermelha de sete dias para aquele que havia me ajudado no concurso.
Tem quem acredite, tem quem não acredite e tem quem reprove, mas o fato é que passar a responsabilidade para um ser que não podemos ver tira o peso da ansiedade e até um pouco da responsabilidade na hora de fazer as provas. Nós temos o conhecimento e muitas vezes ele fica bloqueado por expectativas, responsabilidades, sentimentos, sendo a forma aconselhada pelo meu avô uma maneira de tornar tudo mais fácil.
Será que colocar o faqueiro no uso diário seria uma homenagem a ele? Ele estaria ainda mais presente do que está na minha vida? Ele aprovaria tirar o faqueiro do cantinho empoeirado onde está?
E, acaso a decisão seja deixar tudo como está, quem ficará com ele, o faqueiro?
A intenção quando comecei a escrever era só uma reflexão sobre um objeto e olha no que deu!